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HORA DE DERRETER

Ela parecia flutuar, muito embora, na real, estivesse totalmente parada e estática naquela cama pequena de solteira. Inerte. Deitada. Imóvel, mas, de alguma forma, livre. Seu corpo parecia querer voar. Simplesmente querer voar para longe dali. Voar para sair daquele quarto pequeno e cheio de tantas lembranças, memórias, medos, receios, drogas, livros, fotos e discos velhos. Ela queria muito sair daquele maldito quarto e ir atrás de algo que realmente valesse a pena. Como a sua própria vida, por exemplo. Não memórias e arrependimentos. A sua vida, perdida e escondida em alguma esquina escura. Deus, como ela queria poder flutuar. Definitivamente ela queria poder voar alto, muito alto. Higher than the Sun. Mais alto do que sol, o céu, o espaço, o infinito. Como num filme de ficção, como num filme de ação. Um filme de arte, um filme pornô, um filme qualquer. Um filme de terror. Um filme B. Um filme fantástico. Um filme real. Mas, enquanto isso, enquanto não era retratada pela película, ela obrigatoriamente tinha que permanecer no seu quarto curto. Deitada e derretendo, esperando a vida acabar como em um trailer claustrofóbico, psicótico e absurdamente real. A única coisa que a fazia lembrar de estar viva era o sangue jorrando por dentro do seu corpo. Sangue ácido derretendo todos os seus glóbulos. Os brancos, os vermelhos, os amarelos ou whatever. Pouco importava toda essa merda. Pouco importava, naquele exato instante, toda essa pequena e inevitável bobagem que era a sua própria vida. Não importava, por ela não entender como era possível derreter deitada, com o coração chorando. Por não entender aquele cenário de caos, dor e perda. Por não entender nada. Não entender a perda dos sentidos, da fala, das lágrimas, das emoções, do coração, do amor. O amor escoado através de um ralo sujo. Ralo de emoções ralas. Todas as substâncias tóxicas e deliciosas estavam fazendo efeito. Há horas e horas e horas. E, apesar de entender tão pouco das coisas, ela compreendia a chuva lá fora e os sons dos romances das noites quentes. A seda. A seda destroçada pela sua saliva a fazia entender isso. E o trem que partia de uma origem desconhecida para um destino ainda mais caótico a fazia chorar de forma quase infantil. E a dor de tudo aquilo era desesperadora. Causada por ele dizendo adeus, poucas horas atrás. Por ele dizendo adeus, para todo o maldito e desgraçado sempre...

Hora de derreter... apenas hora de chorar e derreter. Nada mais do que isso...

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NUCA

Ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Definitivamente não. Sem contas, protestos, cobranças ou ligações indesejadas. Nada. Nada a perturbar. Existiam apenas os lábios de Fernanda em sua nuca. Lábios deliciosos e densos. Intensos. Sempre pintados de uva. Sempre lindos. E os arrepios. Muitos arrepios. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Defitivamente não. Havia um aroma de uva no ar. Um perfume. E palavras sussuradas na dose certa. Na dose certa. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. E molhada. E o abraço que vinha depois era como um gatilho para uma boa noite. Toques. Reflexos. Seios.
APENAS RELÂMPAGOS... O beijo que você me deu sob o sol A chuva molhando os campos de maçã (Sob o Sol - Vibrosensores) Lembro que choveu MUITO naquela tarde. Muito mesmo. Mais do seria normal em qualquer outro dia, em qualquer outro dia que não aquele. Maldito. Tudo estava bem, mas o céu, como puro capricho, decidiu se rebelar. O céu, assim de repente, tornou-se cinza. Absurdamente cinza. Cinza chumbo, quase noite. E choveu muito mesmo naquela tarde. Como jamais eu pensei que poderia chover em qualquer outro dia normal. Em qualquer outro dia que não aquele. Maldito. Lembro-me que eu estava no parque central, quieto, pensando nas verdades que eu havia ouvido e arquitetando uma fuga mirabolante do viciado e repetitivo labirinto caótico que a minha vida havia se transformado. Lembro-me que não estava sol, nem tampouco abafado, e que, portanto, não havia tantas nuvens no céu capazes de provocar aquela tempestade. Não mesmo. Mas, ainda assim tudo aconteceu. Não me dei conta, e,