Pular para o conteúdo principal
BICICLETAS NÃO PRECISAM DE TEMPO

- Andar de bicicleta? – ele perguntou, quase surpreso, quase sorrindo, quase feliz – A esta hora? Às quatro da manhã?
Ela deu um sorriso delicioso e jogou sobre o seu corpo nu apenas uma camiseta surrada do The Clash. Levantou do colchão e disse, baixinho – Exato, mocinho. Bicicleta. Tem hora para isso? – questionou.
- Bem, você sabe, não? A cidade é violenta, a madrugada é sempre uma armadilha, e, pior, está chovendo muito – ele disse, enquanto enchia um copo americano com água gelada.
- Qual o problema? Tem coisas bem piores do que andar de bicicleta na chuva, não?
- E tem coisas bem melhores também, você não acha? – ele insistiu – Como fazer sexo selvagem em cima deste sofá velho.
Ela apenas sorriu.
- Tudo bem, tudo bem, tudo bem – ele repetiu - Com e por você, eu sou capaz de qualquer coisa.
- Vamos lá, então – ela disse, vestindo um casaco e pegando as suas chaves.

...

E nos dias de hoje, passado tanto tempo e tantas lágrimas e tantos discos e tantas canções e tantas vodkas e tantos desencontros daquela distante madrugada, o que ela ainda mais gosta de cultivar e deixar intacto na sua jovem memória é o exato momento em que ele soltou a frase mágica, a frase maravilhosa, a frase encantada, cujas palavras e sílabas pareceram voar sobre o quarto, literalmente, como notas musicais de canções dos Carpenters: “com e por você, eu sou capaz de qualquer coisa”.

Mentiras? Quem precisa delas?

Apenas todos nós.

E ela continua sentada no banco da sua bicicleta, esperando. Apenas esperando a chuva acabar.



It's Going To Take Some Time
(The Carpenters)

"It's going to take some time this time
To get myself in shape
I really feel out-of line this time
I really missed the gate

The birds on the telephone line (next time)
Are cryin' out to me (next time)
And I won't be so blind next time
And I'll find some harmony

But it's going to take some time this time
And I can't make demands
But like the young trees in the wintertime
I'll learn how to bend

After all the tears we've spent
How could we make amends
So it's one more round for experience
And I'm on the road again
And it's going to take some time this time

It's going to take some time this time
No matter what I've planned
But like the young trees in the wintertime
I'll learn how to bend

After all the tears we've spent
How could we make amends
So it's one more round for experience
And I'm on the road again
And it's going to take some time this time
"

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

NUCA

Ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Definitivamente não. Sem contas, protestos, cobranças ou ligações indesejadas. Nada. Nada a perturbar. Existiam apenas os lábios de Fernanda em sua nuca. Lábios deliciosos e densos. Intensos. Sempre pintados de uva. Sempre lindos. E os arrepios. Muitos arrepios. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Defitivamente não. Havia um aroma de uva no ar. Um perfume. E palavras sussuradas na dose certa. Na dose certa. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. E molhada. E o abraço que vinha depois era como um gatilho para uma boa noite. Toques. Reflexos. Seios.

PASSE-ME O SAL PARA EU BOTAR NA SOBREMESA?

- Não há nada a desculpar – ele disse pouco tranquilo, muito mentiroso, entre os copos de vodka, as mesas e o barulho do Clube Varsóvia, tentando desviar do olhar adorável, inesquecível e maravilhoso daquela garota à sua frente. Ele a amava. Ela o olhou com ternura e amizade e fez um carinho breve e gentil no seu cabelo. Por instantes, breves instantes, ela lembrou de todo o afeto e paixão que sentiu por ele no passado. Todo o carinho, o afeto e o amor que sentiu por ele em um passado não tão distante. Como foram felizes. - Fica tranquila – ele disse e continuou - Nada a desculpar mesmo. Tudo em ordem do meu lado – ele prosseguiu – Você gosta de MPB mesmo. Eu detesto – completou, com um sorriso. - Você mente mal. Muito mal mesmo sabia? Quase um canastrão – ela brincou e continuou – Esqueceu que te conheço há um tempinho? - Muito tempo? – ele perguntou, tentando disfarçar, enquanto acendia um Marlboro – Dentre as mentiras da vida, duas nos revelam mais – recitou, citando a antiga c

TO THE END

- O que vc quer de mim? – ela perguntou, aos gritos – Que porra você quer de mim?. Ele olhou para o chão, triste. Não queria responder, não sabia responder. Preferiu o silêncio. - Vai responder, seu filho da puta? Vai? – ela gritou, enquanto dava socos no peito dele. Socos não fortes, porém socos repletos de raiva, desespero e dor. Ele ficou em silêncio. Ficou em total e absoluto silêncio, sem ter nada a dizer. Ela ter visto aquele beijo já era o suficiente. - Seu idiota. Seu completo e estúpido idiota. Sai daqui. Agora! – ela gritou. E ele saiu do pequeno apartamento e foi embora, descendo as curtas escadas daquele prédio tão antigo. E enquanto descia, podia ouvir, com desespero, o choro e a dor daquela garota tão especial, outrora o grande amor da sua vida. E caiu em choro e lamento. Pobre diabo...