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MARVIN GAYE

Às vezes nada parecia que dava certo para ela. Nada. Todas as coisas com que ela havia sonhado foram perdidas no tempo. Ela já estava com trinta anos e não imaginava que chegaria a essa idade da forma como chegou. Sem nada. Sem sonhos, sem desejos, sem lucidez, sem vontade, sem esperança, sem a porra de um grande amor, sem um cachorro, sem a coleção completa dos álbuns do Marvin Gaye, sem estar feliz. Havia feito outros planos para tudo isso. Outros planos. E onde eles estavam agora? Por onde andavam aqueles sonhos tão doces e delicadamente construídos por aquela garota linda, de olhos pretos e pequenos, no auge de seus onze, treze, dezesseis, dezoito, vinte, vinte e poucos anos? Por onde eles vagavam? Ela queria saber, muito embora já soubesse a resposta. Então ela não queria saber? Queria. Queria muito. Mas a verdade é que ela preferia que alguém lhe cuspisse a resposta no rosto a ter que admitir a verdade. A verdade de que todos aqueles sonhos e desejos foram jogados fora por iniciativa própria, por medo. E não existe algo mais comum do que isso. Jogar fora a própria vida. O problema é que ela estava lá, com seus trinta anos, vivendo sozinha em um apartamento velho e sujo e vazio e sem nada. Sem os seus sonhos, sem os seus desejos, sem a sua lucidez, sem a sua vontade, sem a sua esperança, sem a porra de um grande amor só seu, sem o seu cachorro, sem a sua coleção completa dos álbuns do Marvin Gaye, sem a sua felicidade, sem vida, enfim...e, pelo visto, tudo permaneceria do mesmo jeito pelos próximos onze, treze, dezesseis, dezoito, vinte, vinte e poucos anos... a não ser que ela fizesse algo a mais do que beber e fumar e chorar e contemplar a porra que era a sua vida...



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NUCA

Ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Definitivamente não. Sem contas, protestos, cobranças ou ligações indesejadas. Nada. Nada a perturbar. Existiam apenas os lábios de Fernanda em sua nuca. Lábios deliciosos e densos. Intensos. Sempre pintados de uva. Sempre lindos. E os arrepios. Muitos arrepios. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. Muito feliz. Não existiam mais as más notícias. Não. Defitivamente não. Havia um aroma de uva no ar. Um perfume. E palavras sussuradas na dose certa. Na dose certa. E ela entrava em transe. Transe total. O lábio de Fernanda em sua nuca a deixava completamente feliz. Muito feliz. E molhada. E o abraço que vinha depois era como um gatilho para uma boa noite. Toques. Reflexos. Seios.
APENAS RELÂMPAGOS... O beijo que você me deu sob o sol A chuva molhando os campos de maçã (Sob o Sol - Vibrosensores) Lembro que choveu MUITO naquela tarde. Muito mesmo. Mais do seria normal em qualquer outro dia, em qualquer outro dia que não aquele. Maldito. Tudo estava bem, mas o céu, como puro capricho, decidiu se rebelar. O céu, assim de repente, tornou-se cinza. Absurdamente cinza. Cinza chumbo, quase noite. E choveu muito mesmo naquela tarde. Como jamais eu pensei que poderia chover em qualquer outro dia normal. Em qualquer outro dia que não aquele. Maldito. Lembro-me que eu estava no parque central, quieto, pensando nas verdades que eu havia ouvido e arquitetando uma fuga mirabolante do viciado e repetitivo labirinto caótico que a minha vida havia se transformado. Lembro-me que não estava sol, nem tampouco abafado, e que, portanto, não havia tantas nuvens no céu capazes de provocar aquela tempestade. Não mesmo. Mas, ainda assim tudo aconteceu. Não me dei conta, e,